por Débora Kornfield
Rejeição e pneumonia após o primeiro transplante (novembro de 2004)
Quando David e Valéria pousaram em Newark na madrugada de sábado, pudemos dar-lhes uma boa notícia: Karis ainda estava viva! David e Valéria ainda tinham que voar de Newark para Pittsburgh, mas com um pouco menos de ansiedade do que haviam experimentado no longo voo de São Paulo. Naquela tarde, ouvi o médico da UTI dizer a David que achava que Karis tinha uma chance de sobreviver a pneumonia. Mas, não sabia como lidar com a ameaça de seu intestino sangrando e desintegrando-se.
Hora após hora mantivemos a vigília, acompanhados por muitos outros ao redor do mundo. Hora após hora chegava a notícia de que Karis ainda estava viva. Mas, tirá-la do oscilador simplesmente não estava acontecendo. Com oxigênio a 100%, seus gases sanguíneos começaram a melhorar gradualmente, mas as enfermeiras ainda não conseguiam alterar sua posição na cama nem um pouco sem descompensação imediata. Seus pulmões estavam muito comprometidos pela invasiva Legionella. Cada sistema de seu corpo foi afetado pela dupla ameaça de pneumonia virulenta e rejeição descontrolada. Quando seus rins e fígado começaram a falhar, nossa pequena chama de esperança ficou apenas piscando.
Dois dias se passaram, depois três – o limite máximo que os cirurgiões haviam postulado para encontrar o “momento mágico” para tentar a cirurgia para remover o enxerto. Esta cirurgia seria mais difícil do que a cirurgia de transplante original, mas eles teriam que fazê-la o mais rápido possível para limitar o tempo dela sob anestesia.
Finalmente, na noite de terça-feira, Karis foi transferida com sucesso do oscilador para um ventilador normal! A cirurgia foi marcada para às 7h45 da manhã seguinte. Nossa família se enfileirou no corredor que ligava a UTI ao bloco cirúrgico. As portas duplas da UTI se abriram repentinamente e a equipe médica entrou correndo com Karis pelo corredor até a sala de cirurgia, uma delas ajoelhada precariamente em seu leito bombeando oxigênio em seus pulmões enquanto corriam. Mal tivemos tempo de acenar e gritar “Nós te amamos, Karis!” antes que eles desaparecessem.
E então era hora de esperar novamente. Passamos da sala de espera da UTI para a sala de espera da cirurgia. Os cirurgiões não nos deram nenhuma esperança de que Karis pudesse sobreviver a uma cirurgia tão invasiva, com seus pulmões, rins, fígado e intestino em péssimo estado. À medida que os minutos passavam, porém, nossa esperança aumentava e, sete horas depois, fomos chamados para fazer fila no corredor novamente para ver Karis sendo levada às pressas da sala de cirurgia de volta à UTI. Milagrosamente, ela ainda estava VIVA!
A própria Karis, profundamente sedada, não fazia ideia do que estava acontecendo com ela, nem dos milagres que haviam preservado sua vida. Durante 74 dias na UTI, a maior parte do tempo em coma induzido, o corpo dela enfrentou uma complicação atrás da outra.
Quando ela finalmente saiu do coma, do respirador e da UTI em meados de janeiro, fomos informados de que ela era a paciente mais doente a deixar aquela UTI com vida. Estava tão fraca que não conseguia apertar o botão de chamada para a enfermeira. Ela passou mais três meses internada e viveu catorze meses sem um intestino até ficar forte o suficiente para tolerar um segundo transplante. Entretanto, foi alimentada através de nutrição parenteral elemental que entrava por um cateter diretamente no coração para ser dispersada no corrente sanguíneo. (Engraçado: pessoas nos mandavam palpites do que deveríamos dar-lhe de comida para que recuperasse mais rápido …)
A reação dela? “Mãe, por que vocês estavam tão preocupados? Claro, eu não morri. Deus ainda tem planos para mim aqui!”
Débora Kornfield nasceu e foi criada na Guatemala, filha de missionários. Formou-se na Universidade de Wheaton (Chicago, EUA) e fez enfermagem na Universidade de Rush (Chicago). Com o marido David e seus quatro filhos, mudou-se para São Paulo em 1990 para trabalhar com a equipe SEPAL. Hoje mora em Pittsburgh-Pensilvânia-EUA e é autora do livro Karis eu Vejo a Graça, da Editora Betânia.
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