por Marcelo Ramiro
Jesus nunca atraiu alguém para ser discípulo com falsos pretextos ou promessas. Ele expôs claramente as condições e benefícios de ser um de seus seguidores. Li uma frase no livro Um Certo Tipo, de Edmund Chan, que me chamou muito a atenção:
“O cristianismo começou na palestina como paixão. Mudou-se para a Grécia e tornou-se uma filosofia. Foi para Roma e se tornou uma instituição. Foi para a Europa e se tornou uma cultura. Então veio para a América e se tornou uma empresa.”
Não podemos negar que, muito do que vemos nas igrejas hoje, está distante do que Jesus pregou. Ouvimos de um evangelho light, permissivo, humanista e cheio de promessas para o bem-estar das pessoas, sem confrontos e mudanças. É como se fosse opcional seguir os ensinos e ordenanças do nosso Mestre, mesmo frequentando uma comunidade todas as semanas.
Jesus não deixa dúvidas quanto ao alto custo para segui-lo. “Todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem não pode ser meu discípulo”, disse em Lucas 14.33. Ao falar assim, Jesus traça uma linha nítida entre ser um verdadeiro discípulo e ser aquele que meramente afirma segui-lo. É possível dizer a partir desta compreensão que “muitos são cristãos, mas poucos são discípulos”.
O discípulo está totalmente rendido ao senhorio de Cristo em todas as áreas de sua vida. Permanece em Jesus, adotando um modo de vida comprometido e obediente. Ele calculou o custo do discipulado e está disposto a se render completamente.
Minha Experiência
Nasci numa família cristã e cresci na igreja. Confesso que durante a maior parte da minha caminhada cristã, não compreendia a diferença entre ser um bom cristão e um verdadeiro discípulo. Fui ensinado a ser uma boa pessoa, a ter práticas devocionais e a me engajar nas atividades da igreja local. Embora tudo isso seja importante, tenho percebido que o chamado ao discipulado vai muito além.
O discipulado é um processo incessante de morrer para o eu e permitir que Jesus Cristo se torne vivo em nós. Discípulo é aquele que responde com fé e obediência ao chamado de seguir Jesus Cristo. E segui-lo é um caminho com altas exigências.
Na Grande Comissão, quando incumbiu seus discípulos de fazer discípulos (Mt 28. 17-20), Jesus não estava falando sobre ganhar convertidos e adeptos dispersos para sua causa. Em vez disso, a missão era reproduzir discípulos comprometidos que iriam “guardar todas as coisas” que ele ordenou. Dessa forma, Jesus elevou o padrão do discipulado bíblico e mostrou que os seus seguidores não eram meros aprendizes – e, sim, aqueles que se entregaram completamente a Ele em rendição absoluta.
Em Mateus 16.24-26, lemos:
Então Jesus disse aos seus discípulos: — Se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá; e quem perder a vida por minha causa, esse a achará. De que adiantará uma pessoa ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará uma pessoa em troca de sua alma?
Observe que Jesus usa a palavra se. O se significa que Jesus nos dá liberdade de escolha. Um jovem rico ouviu o chamado de Jesus para ser seu discípulo, mas foi embora. Ele ouviu o que teria de enfrentar e considerou que o preço era alto demais. Marcos conta que Jesus olhou para o homem e o amou (v. 21), apesar de saber qual seria a escolha dele. Jesus, porém, não correu atrás dele nem mudou as palavras do chamado. Jesus, antes de tudo, disse que precisamos calcular o preço (Lucas 14.28).
Jesus usa três expressões marcantes para descrever o seu padrão: negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.
Negue-se a si mesmo
Esse é, provavelmente, um dos mandamentos de nosso Senhor mais mal interpretado e mal-empregado. A palavra usada em Marcos 8.34 significa resistir, rejeitar ou recusar. Em resumo, significa dizer não.
A expressão negue-se a si mesmo é usada em vários textos importantes do Novo Testamento. Por exemplo, em Marcos 14.71, Jesus havia sido preso e Pedro estava do lado de fora da sala do tribunal aquecendo-se perto de uma fogueira. Pedro foi confrontado 3 vezes e acusado de ter conhecido Jesus. Começou a amaldiçoar-se e a jurar, dizendo: “Não conheço o homem de quem vocês estão falando!”. Pedro chegou até a negar que sabia quem era Jesus.
Negar-se a si mesmo é dizer: Não conheço esta pessoa.
Negar-se a si mesmo significa negar nossa autossoberania. Significa dizer não ao deus que está em mim, rejeitar os mandamentos do deus que está em mim, recusar a obedecer às exigências do deus que está em mim. Significa um não decisivo: “Não conheço o Senhor eu. Não me curvarei diante dele mais”. Jesus nos chama para dizer não a nós mesmos, para que possamos dizer sim a ele.
O ego quer se afirmar, prevalecer, fazer sua vontade, controlar. Negar-se implica ceder, abrir mão, mortificar a vontade própria, submeter-se.
Tome a sua cruz
Essa expressão também tem sido mal interpretada e mal-empregada. Muitas pessoas usam-na para referir-se a suportar uma enfermidade ou incapacidade física, uma experiência negativa ou um relacionamento difícil: “Essa é a cruz que preciso carregar”.
Mas as palavras de Jesus têm um significado muito mais amplo. “A declaração de Jesus deve ter desgostado a multidão e os discípulos”. A expressão dava a ideia da figura de um criminoso a carregar uma cruz na qual ele seria executado em público.
O criminoso só pegava a cruz depois de ter recebido a sentença de morte. Quando a carregava nas ruas, o criminoso era praticamente um homem morto. Sua vida terminara. O homem a caminho de ser crucificado em público “era compelido a abandonar todas as esperanças e ambições terrenas”.
Jesus pede que seus seguidores pensem neles próprios como se já estivessem mortos, que enterrem todas as suas esperanças e sonhos terrenos, que enterrem os planos e prioridades que fizeram para si mesmos. Jesus ressuscitará nossos sonhos ou os substituirá pelos sonhos e planos dele.
Trata-se de uma dura declaração, mas também libertadora. A liberdade vem quando abandonamos a coroa falsa e adquirida ilicitamente, quando dizemos não, quando vivemos como se os deuses dentro de nós já estivessem mortos.
O ego busca satisfação, paz, saúde, alegria, harmonia, sucesso no amor. A cruz implica sacrifício, abnegação, doação, entrega de tempo e recursos, sofrimento.
Siga-me
Após negarmos a nós mesmos e tomarmos a nossa cruz, somos chamados a seguir Jesus.
Aqui está o paradoxo: nós nos encontramos quando nos perdemos por amor a Jesus. E como perdemos a vida por ele? Quando investimos nele e em seu evangelho tudo o que somos e que temos, quando dizemos a ele: “Aqui estão minha casa, meus recursos financeiros, meus talentos e dons, meu intelecto, meu coração, minhas mãos, meus pés, minha boca. Aqui estão – tudo é teu. Usa tudo isso para tua glória e para teus propósitos neste mundo.”
De acordo com a sabedoria secular, essa é uma declaração muito arriscada. Mas, no final, quando a história terminar, o que realmente importará? Nada, a não ser o Reino de Deus. Os únicos investimentos que compensarão no final serão os investimentos feitos no Reino desde já. Aqueles que andam na trilha na qual se perde tudo por amor a Jesus, ganharão tudo o que realmente importa.
Foi por isso que Paulo escreveu essas palavras aos filipenses com grande alegria:
Mas o que para mim era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. Na verdade, considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por causa dele perdi todas as coisas e as considero como lixo, para ganhar a Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, mas aquela que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé. O que eu quero é conhecer Cristo e o poder da sua ressurreição, tomar parte nos seus sofrimentos e me tornar como ele na sua morte, para, de algum modo, alcançar a ressurreição dentre os mortos. (Filipenses 3.7-11)
Aceitando o desafio
O chamado a ser discípulo é um desafio diário. Qual tem sido a sua resposta a este chamado?
Particularmente, por meio deste estudo Deus tem me encorajado a silenciar minha autossuficiência. Negar ao deus da autossuficiência. Em tantos momentos sou tentado a seguir meu próprio caminho, investindo em meu próprio reino e não no Reino de Deus. Tem situações no ministério e na vida pessoal que meu ego quer reconhecimento e visibilidade. Quer me dizer aonde vai e o que é melhor para mim. Quantas vezes fiz planos sem pensar no Reino de Deus, gastei recursos para incrementar meu reino e usei dons de Deus para promover meu nome e reputação.
A partir deste estudo me propus a viver uma vida simples, de mais obediência e entrega, vivendo pela fé e gostando de ser surpreendido por Deus. Para isso me propus a:
- Não tomar decisões importantes em minha vida sem antes ouvir minha esposa e meu microgrupo de discipulado, caminhando em interdependência.
- Fazer um retiro mensal com Deus de 3h para ouvir a Deus em relação ao que devo fazer.
- Fazer uma lista de áreas da minha vida, decisões e atitudes de autossuficiência e confessar a Deus em meu microgrupo de discipulado.
A trilha para a Páscoa passa pela Sexta-Feira Santa. A trilha para a nova vida passa pela morte do velho “eu”. A trilha para a ressurreição passa pela crucificação. Jesus nos exorta a andar nessa trilha, a trilha na qual ele andou.
Referências:
Um Certo Tipo – Discipulado intencional que redefine o sucesso no ministério / Edmund Chan – Curitiba: Editora Betânia, 2021.
Elementos Essenciais do Discipulado: um guia para edificar sua vida em Cristo / Greg Ogden – São Paulo: Editora Vida, 2010.
Bíblia de Estudo do Discipulado. Barueri, SP. Sociedade Bíblica do Brasil, 2019.