Disipulado genuíno começa com arrependimento – Entrevista com Edmund Chan

por Marcelo Ramiro, Jornalista e Pastor Metodista

Em agosto de 2024, durante o Retiro dos Sonhos em Curitiba-PR, tivemos a oportunidade de conversar com o pastor Edmund Chan, um dos líderes mais influentes na área de discipulado cristão. Residente em Singapura e pastor sênior da Covenant Evangelical Free Church, Chan é amplamente reconhecido por sua abordagem prática e profunda ao discipulado. Ele é autor do livro Um Tipo Certo: Discipulado Intencional que Redefine o Sucesso do Ministério, que tem desafiado igrejas ao redor do mundo a retornarem às suas raízes discipuladoras.

Nesta entrevista, ele aborda temas essenciais como o verdadeiro propósito do discipulado, a necessidade de uma cultura de arrependimento e a importância de formar discípulos que vivem genuinamente os ensinamentos de Cristo. Chan também compartilha uma visão encorajadora sobre a igreja global e oferece insights práticos para líderes e pastores comprometidos com a missão de fazer discípulos.

Muitas pessoas na igreja acreditam que seu chamado está restrito a áreas específicas, como louvor, pregação ou ministério infantil, delegando a responsabilidade de fazer discípulos apenas aos pastores e líderes. Isso acaba fazendo com que muitos sirvam fielmente na igreja por anos, mas sem realmente avançar no cumprimento da Grande Comissão. Fazer discípulos é de fato um chamado para todos os seguidores de Jesus?

Edmund Chan: A Grande Comissão não foi dada apenas aos Apóstolos, mas a todos os crentes. Jesus disse: “façam discípulos de todas as nações” (Mateus 28:19). Essa missão é para todos, sem exceção. Paulo entendeu isso muito bem quando ensinou a Timóteo: “o que você aprendeu, transmita a outros, para que eles também possam ensinar a outros” (2 Timóteo 2:2). Discipulado é um chamado universal, para cada membro do corpo de Cristo.

Com base nessa perspectiva e entendimento, como o sr. avalia a situação da igreja atualmente?

Edmund Chan: Embora eu não tenha muitas informações sobre a igreja no Brasil especificamente, posso falar sobre o panorama da igreja ao redor do mundo, que enfrenta um grande desafio. Hoje, existem cerca de 7 milhões de igrejas no mundo, mas, de acordo com um estudo, aproximadamente 4 milhões estão estagnadas, 2 milhões estão morrendo e apenas 1 milhão está crescendo. No entanto, mesmo entre as igrejas que estão crescendo, nem todas estão se desenvolvendo de forma saudável. Isso revela uma grande deficiência na área do discipulado.

O problema é que a igreja tende a dois extremos: ou abandona completamente o discipulado, considerando-o trabalho demais ou acreditando que é algo reservado apenas para uma elite espiritual; ou, por outro lado, domestica o discipulado, tratando-o como algo superficial e acessível a todos sem exigir uma verdadeira entrega. Neste segundo caso, as pessoas pensam que basta um pequeno comprometimento para ser considerado discípulo. No entanto, Jesus deixou claro em Lucas 9:23: “Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me”. E Paulo reforça em Gálatas 2:20: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim”. As exigências do discipulado são altas, mas muitas vezes diluímos essas verdades, tornando-as mais convenientes e confortáveis.

O resultado é que o discipulado na igreja global está muito enfraquecido. Contudo, há uma boa notícia: existe um remanescente espiritual de pessoas comprometidas que Deus está levantando. Em todos os lugares que visito, encontro pastores e líderes cristãos apaixonados pelo discipulado e pela liderança. O número de líderes neste evento, todos dedicados e comprometidos, é incrível. Isso me dá grande esperança, porque, assim como Jesus investiu profundamente em poucos discípulos, vejo que há um movimento de líderes que entendem a importância de um discipulado autêntico. Em cada país e cidade por onde passo, percebo esse remanescente espiritual, e isso me enche de esperança para o futuro da igreja.

Podemos concluir que, infelizmente, a maioria das igrejas está errando na abordagem ao discipulado?

Edmund Chan: Eu acredito que, como igreja, nestes últimos dias, precisamos voltar aos fundamentos da fé. Eu não diria que a igreja está errada, pois isso nos colocaria na defensiva. Quando as pessoas afirmam que a igreja está errada, muitas vezes elas acabam se posicionando como as únicas corretas, e isso não ajuda a igreja a crescer. Eu prefiro dizer que a igreja precisa ser despertada. Em toda igreja que visito, encontro um remanescente espiritual de pessoas que estão se despertando para o verdadeiro propósito do discipulado.

Em vez de afirmar que a igreja está errada, eu diria que ela tem algumas coisas importantes a aprender, e podemos aprender juntos. Isso nos dá esperança. O que precisamos aprender é o essencial: amar a Jesus de forma verdadeira. Quando amamos Jesus, tudo começa a se alinhar. O problema é que temos falhado em amar a Cristo genuinamente. Muitas vezes, confundimos amor com um sentimento superficial ou emocional: “Ah, eu amo a Jesus!”. Mas o próprio Jesus disse: “Se vocês me amam, obedecerão aos meus mandamentos” (João 14:15). Isso significa que, se não guardamos os mandamentos dEle, não estamos realmente O amando.

João, o discípulo que Jesus amava, também conhecido como o apóstolo do amor, escreveu: “Não amem o mundo nem o que nele há” (1 João 2:15). Estamos diante de uma escolha simples: amar a Jesus ou amar o mundo. Nosso papel como igreja é ensinar o povo a verdadeiramente amar Jesus, pois, quando isso acontece, toda a vida cristã encontra seu verdadeiro sentido e propósito.

Em uma de suas palestras recentes, o senhor abordou a importância da sucessão. Como o investimento na sucessão contribui para o sucesso e a continuidade do discipulado?

Edmund Chan: O caminho para a revitalização não é simplesmente uma questão de técnicas ou estratégias humanas. O verdadeiro caminho é o arrependimento. Muitas vezes, pensamos que, se conseguirmos ajustar os “botões certos”, as coisas começarão a mudar. Mas isso não é verdade. O arrependimento envolve olhar para as mentiras da maneira que Deus as vê e reconhecer o quanto estamos distantes do padrão divino. É quando nos voltamos para Deus e pedimos Sua força que podemos realmente começar a transitar para uma nova fase.

Ao caminharmos na vontade e no poder de Deus, podemos levantar uma geração que verdadeiramente ama a Deus. É assim que a sucessão será bem-sucedida. Se a sucessão dependesse apenas de técnicas avançadas de planejamento, poderíamos ter um Ph.D. em planejamento sucessório, mas isso não garantiria o sucesso. Podemos encontrar pessoas para nos suceder, mas nunca conseguiremos formar o tipo certo de pessoas sem um verdadeiro trabalho de transformação.

O que me dá esperança é saber que Jesus nos ama e está realizando um trabalho profundo em nossas vidas — curando nossas feridas e inseguranças e nos dando um amor genuíno por Ele. Esse é o verdadeiro caminho para a renovação. Em termos de informática, isso seria como o hardware e o software: o arrependimento e o amor por Jesus são o “software” que transforma, enquanto a próxima geração é o “hardware” que precisa ser moldado e preparado. É um processo desafiador, mas é o caminho verdadeiro.

A igreja sempre pregou sobre arrependimento, mas o discipulado multiplicador ainda não é uma cultura forte. Por que o amor e o arrependimento nem sempre geram discípulos?

Edmund Chan: Porque muitas vezes paramos na pregação e no treinamento, mas não criamos uma infraestrutura na comunidade para sustentar uma cultura de discipulado. Não mobilizamos as pessoas para viverem essa realidade. Sem um ambiente onde o discipulado seja natural e constante, ele não acontece de forma efetiva. Reproduzimos conhecimento, mas não vidas transformadas.

Qual é o propósito por trás dos seus livros e por que o sr. escolhe escrevê-los?

Meu objetivo ao escrever livros é sempre direcionar as pessoas para Jesus. Eu procuro usar meus escritos como uma ferramenta para iluminar e aprofundar a compreensão dos princípios bíblicos, sempre com o intuito de levar os leitores a uma conexão mais íntima com Cristo. Se, ao ler qualquer um dos meus livros, você perceber que o foco está em Jesus e que a mensagem está orientada para aproximar as pessoas Dele, então acredito que o livro terá cumprido seu verdadeiro propósito. Esta é, sinceramente, a minha esperança: que meus livros não sejam um fim em si mesmos, mas um meio para ajudar os leitores a crescer espiritualmente e a se engajar mais profundamente com a Palavra de Deus.

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