por Débora Kornfield
Rejeição e pneumonia após o primeiro transplante (novembro de 2004)
Para a glória de Deus, vou escrever artigos sobre alguns dos milagres que ele operou na vida da Karis. Histórias não incluídas no livro Karis: Só vejo a graça (Editora Betânia).
Muitas vezes nos seus diários ela comentou que queria honrar ao Senhor por haver mantido ela viva por tantos anos, quando os médicos disseram que ela não tinha condições de continuar viva. Ela entendeu que ele fez isso porque tinha um propósito para realizar através da vida dela. Assim ela viveu sem medo. Porém para nós, a família dela, foi traumático cada vez que os médicos nos diziam, “Preparem-se, pois, esta vez ela não tem volta; vai morrer”.
Quando Karis foi transplantada pela primeira vez, aos 21 anos em agosto de 2004, todos estavam otimistas. A cirurgia de catorze horas correu bem e na recuperação inicial, Karis bateu recordes. Dentro de três semanas, Karis recebeu alta. Nunca na época um transplantado de intestino havia conseguido isso. Como celebramos naquela sexta-feira!
No seu primeiro checkup, porém, na segunda-feira seguinte, detectaram uma rejeição: o corpo dela estava protestando contra o intestino alheio que agora ocupava espaço no seu abdômen. Isso era esperado, mas ela teve que voltar a internar-se. Os tratamentos “leves”, porém, não reverteram a rejeição. Então usaram drogas mais e mais fortes, destruindo por completo o sistema imunológico dela para que parasse de rejeitar o órgão transplantado.
Quatro semanas depois dela ter sido diagnosticada com rejeição “leve”, recebemos notícias preocupantes. Agora em severa rejeição, ela também tinha um vírus perigoso em seu intestino. Ela estava se balançando precariamente na corda bamba da rejeição/infecção. Os tratamentos para essas duas condições são opostos. O sistema imunológico deve ser suprimido para tratar a rejeição, mas era necessário para combater a infecção.
Na terça-feira, 2 de novembro de 2004, uma amiga de Karis, Tina, convenceu os médicos a permitir que ela saísse do hospital para que pudesse votar na eleição presidencial do país. Karis não estava disposta a fazer isso, mas Tina a persuadiu e encorajou, e Karis finalmente concordou. Saiu, votou e voltou para a cama, exausta.
Naquela noite ela começou a tossir.
Na noite seguinte, quarta-feira, uma enfermeira avisou que Karis deveria descer para fazer uma tomografia computadorizada do intestino. “Eu devo estar pegando um resfriado. Estou tendo um pouco de dificuldade para respirar”, Karis me disse. A enfermeira, preocupada, ligou-a ao oxigênio. Lembro-me de Karis tossindo e do pessoal da tomografia aumentando seu oxigênio.
Na manhã seguinte, quinta-feira, Karis foi levada para fazer uma endoscopia. Ela seria entubada e um endoscópio colocado em sua boca para visualizar a parte superior do intestino transplantado. Não sabíamos que os cirurgiões estavam fazendo isso para avaliar se deveriam remover o enxerto de Karis. Eles haviam chegado ao fim de suas opções de tratamento de rejeição e temiam que os vírus em seu intestino contaminassem seu sangue, uma condição perigosa que seria praticamente intratável com seu sistema imunológico destruído.
Karis (ligada ao oxigênio) e eu tivemos uma conversa prazerosa e alegre na sala de espera da endoscopia. Acenei enquanto ela era levada para a sala de cirurgia, dizendo: “Vejo você dentro de uma hora, querida.”
Alguns minutos depois, porém, um médico que eu não conhecia apareceu na sala de espera, pedindo que eu assinasse o consentimento para uma broncoscopia enquanto Karis estava sob anestesia. Para isso, um endoscópio seria inserido em seus pulmões, retirando líquido para cultura. Os alarmes dispararam na minha cabeça, mas o médico foi tranquilizador. “Só precisamos verificar algo que apareceu na tomografia de ontem à noite”, ele me disse. “Isso só deve atrasar o procedimento dela por alguns minutos.”
Duas horas de ansiedade de minha parte depois, um dos cirurgiões de transplante de Karis apareceu, parecendo sóbrio. “Vamos nos sentar na sala de conferências”, disse ele. Só quem já passou por algo parecido pode imaginar o medo que essas poucas palavras provocam no coração de uma mãe. Eu não estava nada preparada para o que ele tinha a me dizer.
“Karis tem inflamação e líquido nos pulmões e eles estão muito rígidos, como se estivessem em crise. Ainda não sabemos a causa de tudo isso. Ela não está respirando bem sozinha, então não a acordamos da endoscopia. Ela foi direto para um ventilador na UTI. E o intestino dela parece muito pior. Existem muitas manchas abertas, sangrando e ulceradas. Aconselho você a reunir a família e depois ir para a sala de espera da UTI. Pode haver um momento em que possamos deixar você ver Karis brevemente. Também . . . se o seu pastor puder vir, pode ser bom para você fazer planos caso precise deles.
Eu casualmente acenei para Karis e essa pode ser minha última comunicação com ela.
Continua.
Débora Kornfield nasceu e foi criada na Guatemala, filha de missionários. Formou-se na Universidade de Wheaton (Chicago, EUA) e fez enfermagem na Universidade de Rush (Chicago). Com o marido David e seus quatro filhos, mudou-se para São Paulo em 1990 para trabalhar com a equipe SEPAL. Hoje mora em Pittsburgh-Pensilvânia-EUA e é autora do livro Karis eu Vejo a Graça, da Editora Betânia.
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