Reconhecendo feridas, defesas e responsabilidades

Por Marcelo Ramiro

A restauração da alma ferida é uma das dinâmicas mais urgentes em nossas igrejas locais. Quantos líderes e membros se encontram machucados e perdidos em função das diversas decepções na jornada da vida. Há quem foi abusado, abandonado, injustiçado, violentado. Sofrimentos de um casamento infeliz, rejeições profundas, grandes perdas. Essas feridas na alma, erguem muros em nossos corações. Formam barreiras que agem como mecanismos de defesa dentro de nós, mas que nos distanciam de relacionamentos transformadores por meio da graça de Deus e nos impedem de voarmos mais alto.

Como podemos vivenciar a cura das feridas da alma? 

A restauração da alma ferida faz parte do processo de santificação de todo seguidor de Jesus. E o primeiro passo para vivenciarmos a cura da alma é o reconhecimento das feridas, defesas e responsabilidades. Este é o tema do estudo 3 do Módulo Bases de Restauração da Bíblia de Estudo do Discipulado. 

Jesus veio para nos salvar. A palavra ‘salvar’, no grego do Novo Testamento, é a palavra ‘sozo’ e é usada tanto para indicar salvação espiritual e eterna como também para indicar libertação do perigo ou doença. Sozo não é a palavra mais usada para cura, mas é usada o suficiente para demonstrar que a visão bíblica de salvação é integral, não sendo simplesmente uma salvação do espírito, mas também uma salvação que abraça as aflições da alma e as doenças do corpo.

A Bíblia deixa claro: Jesus tinha a missão de curar os doentes e se preocupava de forma especial com o interior do homem – o coração. Ele veio para que tenhamos vida plena, abundante e completa (João 10.10). Nos prometeu que quem nele crer, do interior fluirão rios de água viva, conforme João 7.38. O reino de Deus se estende a todas as esferas do ser humano, incluindo a área da cura emocional.

Negação

Essa cura começa quando reconhecemos a dor e falamos sobre as feridas. Sem nos expressarmos, ficamos presos como vítimas. Muitas vezes escondemos e negamos nossos problemas, até de nós mesmos. Negamos, mesmo que sejam óbvios para as pessoas que nos rodeiam. Tentamos esconder o medo, as fraquezas e as dúvidas, mentindo para nós mesmos.

Dizemos que nosso problema ou vício não é tão sério a ponto de estar fora de nosso controle. A negação é uma cobertura de autoengano que nos cega e nos impede de avaliar honestamente a dependência. 

Algumas das mensagens comuns de negação são: “Eu posso sair (ou parar) quando quiser”, “As coisas não são tão ruins assim”, “Quando as coisas melhorarem, deixarei de agir dessa forma”. Você já disse ou já ouviu algo assim? Todas essas mensagens negam a força da dependência ou do vício que nos escraviza.

Talvez tenhamos sido ensinados a crer que a única coisa de que precisamos para ter uma vida boa é aceitar Jesus Cristo como nosso Senhor e Salvador. Pode ser que essa tenha sido a mágica na qual confiamos para nos preparar para a vida aqui e na eternidade. As declarações: “nasci de novo”, “meu passado foi lavado”, “sou uma nova criatura” e “Cristo me transformou totalmente” são verdadeiras, mas podem estar nos ajudando a negar a condição atual de nossa vida. 

De fato, a salvação é alcançada quando aceitamos Jesus Cristo em nossa vida. A santificação, no entanto, é um processo crescente que dura a vida inteira. A cura das emoções faz parte deste processo.

Feridas

O orgulho que nos faz esconder as fraquezas e acreditar que podemos dar um jeito sozinhos. Precisamos reconhecer nossa impotência e parar de querer controlar todas as coisas. 

Em Apocalipse 3, no versículo 17, lemos uma mensagem divina para a igreja de Laodicéia: “Você diz: Estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada. Não reconhece, porém, que é miserável, digno de compaixão, pobre, cego e que está nu.”

Quando reconhecemos nossas necessidades e abrimos nossa vida para Cristo viver em nós, experimentamos a maravilhosa graça transformadora de Deus. No verso 20, há um convite confortador: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo.” Esta não foi uma mensagem para não crentes. Mas sim para cristãos dominados pelo orgulho.

Admitir as dores e sofrimento requer abrir mão do orgulho. É necessário admitir as situações terríveis que aconteceram e encarar a imensa dor que causaram. É difícil reconhecer nossas feridas, porque isso requer que reconheçamos que pessoas importantes em nossas vidas não foram tudo o que deveriam ser. Por isso precisamos de um ambiente de confiança para que possamos ser estimulados a falar sobre o que passamos e das lutas internas que travamos diariamente. Um ambiente de amor, aceitação e graça, nos encoraja a deixar o orgulho e abrir espaço para reconhecermos nossas feridas internas. Você participa de algum grupo de discipulado que te ajuda neste sentido?

Defesas

Após reconhecer a dor, precisamos perceber que as feridas nos levam a criar barreiras. Fazemos isso como um mecanismo de defesa. Queremos nos proteger, escondendo atrás dessas fortalezas. O problema é que quanto mais fortalecemos essas barreiras, mais distantes ficamos da cura. 

Toda dor naturalmente leva a uma das duas reações: medo, nos fazendo fugir, ou raiva, nos fazendo atacar, ou possivelmente uma combinação das duas. Esses sentimentos se tornam pecaminosos quando começamos a nutri-los, deixando estabelecerem raízes e fortalezas em nosso coração. Raiva não resolvida desenvolve raiz de amargura. Medo não resolvido bloqueia o amor.

Pessoas de confiança podem nos ajudar a identificar os bloqueios e muros ao redor de nosso coração que prejudicam o fluir do amor divino em nós. Esses mecanismos de defesa, precisam ser reconhecidos, encarados e destruídos. A pessoa ferida geralmente tem nutrido medo, raiva ou amargura. Sem reconhecer esses pecados e arrepender-se deles, a pessoa ferida não será curada.

Responsabilidades

Havendo reconhecido nossas feridas e as defesas, precisamos encarar as áreas nas quais somos responsáveis por mudar nossas vidas. Devemos identificar onde nós erramos, falhamos, ferimos a outros e onde nos escondemos nos colocando no papel de “vítima”, responsabilizando somente os outros pelas nossas perdas ou dores. 

Faz parte do processo de restauração assumir a responsabilidade por nossas emoções: ira, medo, dificuldade de perdoar, acusações (conscientes ou inconscientes) de que Deus nos abandonou nos momentos de necessidade.

Reconhecer nossa responsabilidade e nossa falha em agir da forma certa abre a porta ao arrependimento. O arrependimento, se for feito com um coração quebrantado, abre a porta ao perdão e, consequentemente, à cura. Essa contrição vem por meio do meditar na dor que causamos. Causamos dor a Deus em primeiro lugar. Desconfiando dele, fugindo dele, rejeitando o amor dele. Muitas vezes também atacamos e acusamos outras pessoas, procurando feri-las na mesma moeda.

Aplicação

A partir deste estudo, estou revendo a história de minha vida, deixando o Espírito Santo me ajudar a discernir onde ainda há sentimentos ou comportamentos que são expressões de alguma ferida. Também identifiquei momentos em que feri outras pessoas. Desejo continuar apresentando essas situações em meu microgrupo de discipulado. Tem sido uma forma maravilhosa de crescer em restauração e santificação, recebendo cura e assumindo responsabilidades.

Que Deus me ajude e lhe ajude nesta jornada!

 

Marcelo Ramiro é pastor na Igreja Metodista em Campinas/SP. Faz parte da equipe dos ministérios Homens Mentores e Mulheres Mentoras.

Referências:

Bíblia de Estudo do Discipulado. Barueri, SP. Sociedade Bíblica do Brasil, 2019.

Introdução à restauração da alma / David Kornfield – 2.ed. – São Paulo: Mundo Cristão, 2008.

Aprofundando a restauração da alma através de grupos de apoio / David Kornfield – 2.ed. – São Paulo: Mundo Cristão, 2008.

 

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