Um convite à autenticidade na vida do homem
Sim, a máscara é para proteger os seus. E a si mesmo.
Nos dias de COVID-19, o uso da máscara tornou-se essencial. Ela é um instrumento para preservar a integridade física de si e de outros. Tornou-se um objeto de saúde comunitária.
Estudos feitos em países em que a pandemia teve um impacto irrelevante mostram que tais localidades adotaram medidas preventivas para conter o avanço da pandemia desde cedo. Com isso, o lastro de destruição do vírus nessas regiões foi menor. Nesse contexto, alguns governantes pagaram um alto preço por não terem levado a sério as medidas preventivas, inclusive o uso da máscara.
Nas culturas em que o uso dessa proteção é algo inovador — nós do ocidente não estamos acostumados como os asiáticos —, parece uma agressão usá-la, o que tem dificultado a aplicação efetiva do uso em toda a população.
Vídeos e manuais sobre como confeccionar e usar devidamente esse importante material tem circulado na Internet de forma massiva. Todos visam ao bem da população como forma de conter a disseminação do coronavírus.
Nesses dias de pandemia, quem ousaria sair sem máscara, afirmando piamente que jamais poderá contrair a COVID-19? Brincar com isso pode custar muito caro. Pode custar a própria vida.
Há um vídeo, desses que viralizam e são montagens cômicas, que mostra uma autoridade policial asiática anunciando o fim da pandemia e, em seguida, dizendo que todos podem tirar a máscara de proteção. É quando um cidadão lhe diz: “Então, tira a tua primeiro”. Ao passo que o policial responde: “Não, você tira primeiro”. E essa “brincadeira” continua, mas nenhum dos dois tira a máscara.
Embora o vídeo seja algo cômico, ele pode refletir uma possível realidade: quando a pandemia passar, quem acreditará que o poder destruidor do coronavírus passou? Quem terá coragem para deixar a máscara?
O uso de proteção será necessário por um bom tempo e ajudará a conter a disseminação do vírus e sua consequente crise. Pessoas com transtorno fóbico ansioso terão mais dificuldades em não usar a máscara quando tudo passar. Mesmo assim, teremos de fazer o esforço. E por quê? Para proteger a nós e aos que amamos.
A máscara que protege
Ao longo da história, usavam-se máscaras para preservar o anonimato.
O anonimato garantia a segurança de que uma pessoa não sofreria qualquer sanção, nem ela nem os seus. Os mais antigos se lembrarão logo do Zorro, o herói solitário, o Dom Diego de La Vega.
Hollywood, com seus famosos filmes, mostra muito dos heróis ou combatentes do mal como mascarados. Alguns heróis mascarados famosos são: Capitão América, Homem Aranha, Batman, Gladiador, entre tantos. Esses usavam suas máscaras para manter o anonimato. Manter-se no anonimato era proteger a si e seus entes queridos.
Nesses dias de COVID-19, muitos de nós precisaremos aprender a confeccionar e usar sistematicamente a máscara, se queremos manter nossa própria saúde e a dos que amamos. No entanto, nessa conjuntura, deparamos com um não menos significativo desafio. O desafio de “deixar cair as máscaras”.
Sim, nesses dias de confinamento e reclusão compulsória, onde estamos diante dos que nos são próximos e íntimos, podemos viver o mais nobre desafio da alma. Precisamos “deixar cair as máscaras!”
As “máscaras” da alma
As “máscaras” que precisamos deixar cair são aquelas revelam a nossa alma, o que engloba incapacidades, imperfeições, debilidades e histórias traumáticas que muitas vezes negamos. Que tarefa nobre essa de aproveitar esses dias em que permanecemos mais intensamente na presença dos que nos afirmam e nos amam e poder tirar as nossas máscaras!
“As ‘máscaras’ que precisamos deixar cair são aquelas revelam a nossa alma, o que engloba incapacidades, imperfeições, debilidades e histórias traumáticas que muitas vezes negamos.”
Por que deixar cair essas “máscaras”? A resposta é: para garantir uma espiritualidade sadia.
Um dos pecados que Jesus mais combateu foi a hipocrisia — o usar “máscaras”. Aos religiosos dos seus dias, ele disse: “ai de vós, escribas hipócritas…”. A palavra que Jesus usa para descrevê-los é υποκριτης (hupokrites), que tem o sentido de “ intérprete; ator, artista de teatro; dissimulador, impostor, hipócrita” (Mateus 6.2,5,16; 15.7;22,18;23.13-36; 24.51; Marcos 7.6, Lucas 12.56; 13.15).
Esses escribas aparentavam uma espiritualidade sadia na observação de costumes rotineiros da lei, tais como lavar as mãos antes de comer, observar os dias e as festas sagrados, dar os dízimos de forma meticulosa, mas, no seu interior, estavam apodrecidos pelas inclinações e maquinações de uma alma profundamente adoecida.
Para esses, as “máscaras” de santidade se faziam necessárias para poderem ter o respeito dos seus iguais, para serem aceitos pelos outros e reconhecidos como mestres da fé. No entanto, muitos deles, por usarem máscaras, não só se distanciavam de Deus, como também levavam os seus semelhantes ao afastamento do Pai Eterno, por viverem na hipocrisia. Jesus os combateu fortemente.
Deixar a mentira
O apóstolo Paulo conclama os irmãos de Éfeso a deixar a mentira e falar a verdade com seu próximo (Ef 4.25). A palavra para mentira que ele usa ali é ψευδος (pseudos), que pode ser traduzida como “mentira, falsidade consciente e intencional”. Num sentido amplo, tudo o que não é genuíno; de preceitos perversos, ímpios, enganadores. É como se ele estivesse fazendo um convite a esses irmãos a tirar as “máscaras”.
Por que Paulo conclama esses irmãos a viverem assim? Porque é impossível agradar a Deus usando “máscaras”. Sim, isso mesmo. As “máscaras” — não as de proteção da COVID-19, mas as que escondem nossa alma, metaforicamente falando — nos impedem de viver uma espiritualidade sadia.
Uma pessoa que experimenta uma espiritualidade sadia vive de acordo com a sabedoria que vem lá do alto. Essa sabedoria, entre outras coisas, é “sem máscaras”. O apóstolo Tiago diz que a sabedoria lá do alto é “primeiramente, pura; depois, pacífica, indulgente, tratável, plena de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem fingimento” (Tg 3.17). A palavra que ele usa para dizer “sem fingimento” é ανυποκριτος (anupokritos — como partícula negativa), que significa “não fingido, franco, sincero, sem máscaras”.
Integridade
Na década de 1980, o famoso autor cristão Charles R. Swindoll escreveu, entre outros clássicos da literatura cristã, um livro intitulado Vivendo sem Máscaras (Editora Betânia). A tese da obra é que muitos de nós colocamos uma “máscara” de santidade atrás de um título e uma posição eclesiástica que faz com que escondamos o interior, vivendo em busca de perdão e aceitação. Na realidade, Swindoll nos mostra que uma das maiores necessidades de nosso mundo é a de relacionamentos sinceros, transparentes e significativos, que nos sirvam de suporte em um mundo que geralmente não nos acolhe como somos.
Entre as muitas histórias narradas pelo autor em seus livros, há um relato pessoal: Atrasado para uma reunião e dirigindo acima da velocidade permitida numa via pública, foi parado por um oficial de trânsito. Ao tentar se explicar à autoridade, disse: “Sou pastor e estou atrasado para uma reunião”. Assim, o policial lhe respondeu: “Se você que é pastor está procedendo assim, o que esperar do restante da população?”. Ao narrar o fato, Charles Swindoll expõe sua tremenda vergonha e a decisão de viver sem “máscaras” e em integridade.
O que é viver sem “máscaras”?
É viver em integridade. É ser você mesmo em qualquer lugar, com qualquer pessoa. É ser o mesmo no público e no privado.
É viver em plenitude. Mostrar para si e para os outros suas reais capacidades e habilidades, sem medo de rejeição e abandono.
É viver em transparência. Não tendo medo de nada e ninguém. É não ter nada a esconder, porque o que precisava ser confessado, consertado e abandonado já foi quando decidiu revelar sua essência, fortalezas e debilidades.
É viver com autoridade. Autoridade de quem sabe quem é, o que pensa, para onde vai, porque age, como age, sem dúvidas de que não deve nada a ninguém, exceto o amor, como disse o apóstolo Paulo em Romanos 13.8.
É viver em intimidade com o Pai Eterno. Sim, porque Ele se aproxima dos que são humildes — os que reconhecem que são pobres de espírito—. Deus resiste aos orgulhosos (Tg 4.6).
É investir na intimidade com o Pai e agradar-lhe. No Salmo 25, o salmista revela essa verdade. Ele se mostra para Deus como ele é. Ele não tem vergonha de dizer como está. Ele diz que espera e confia em Deus, que eleva a sua alma ao Senhor. Deus quer ser íntimo daqueles que não têm vergonha de abrir-lhe o coração, dos que lhe mostram completa dependência, que reconhecem que são humanos e pecadores, que andam em temor, que dependem de seu cuidado, amor e provisão (Mq 6.7,8). Deus não anda com “mascarados”.
Portanto, tire as “máscaras”!
Tire as “máscaras” da alma, se quiser ser aceito e amado.
O uso de “máscaras” que aprisionam nossa autenticidade pode esconder o tremendo medo da rejeição. Se você as coloca, quem será aceito é o sujeito “mascarado”, não você em sua essência. Sua alma continuará com fome de aceitação. Quem mostra o que não é, um dia, facilmente, será desmascarado em praça pública, e isso será uma grande humilhação.
“O uso de “máscaras” que aprisionam nossa autenticidade pode esconder o tremendo medo da rejeição. Se você as coloca, quem será aceito é o sujeito “mascarado”, não você em sua essência.”
Você já é amado pelo Pai Eterno que o criou, e nada mudará isso! (Jr 31.3). Como disse Philip Yancey em seu livro Maravilhosa Graça (Editora Vida): “Não há nada que eu possa fazer para Ele me amar mais, e nada que eu tenha feito para Ele me amar menos”. Deus nos ama do jeito que somos.
Não queira impressionar quem quer seja. Você é um ser singular criado pelo Pai Eterno que o ama com as habilidades e potencialidades que Ele mesmo lhe concedeu. Você não tem todas as potencialidades e habilidades do mundo, mas também não tem todas as debilidades do mundo. Entenda e assuma seus pontos fortes e fracos. Desenvolva-se para a glória de Deus.
Tire as “máscaras”! Mesmo que fazendo isso você perca pessoas ao seu redor. Se se afastarem de você porque você se mostrou quem é, é porque não são dignos de sua companhia e autenticidade.
Tire as “máscaras”! Ainda que isso lhe traga dor momentânea. Todo crescimento vem com dor. Crescer em maturidade emocional e espiritual pode trazer a dor da vergonha momentânea do desmascaramento – o desnudamento da alma ferida. Mas essa dor certamente passará, e a autenticidade do ser quem você é lhe trará liberdade, alegria, plenitude e leveza.
Quando salmodiava, o salmista “escancarava” seu coração para Deus, falando de suas transgressões e fragilidades, de seus medos e anseios. Aliás, um dos sentidos de salmodiar é justamente derramar-se em louvor e dependência diante do Senhor, mostrando-lhe a alma de modo transparente e honesto. Ao fazê-lo, o salmista terminava seu cântico com uma palavra de vitória: “Espera em Deus, pois ainda o louvarei” (Salmo 42.5, 11; 43.5). Quem abre a alma para Deus pode ter convicção de que, mesmo nas incertezas, um hino de louvor ao Senhor brotará desse coração aflito que não teme em tirar as “máscaras” da alma e abrir-se ao Seu Criador.
Perguntas para reflexão:
- Quais “máscaras” você precisar tirar no seu dia a dia? De que forma esconder sua essência e deixar de seu autêntico tem sufocado você? Quais ganhos terá ao deixá-las cair?
- Por que permanecemos com tais “máscaras”? O que essa atitude releva?
- Quais preços está pagando por isso? Como isso tem afetado sua qualidade de vida e relacionamentos?
- Lá no fundo, quais são os medos que o fazem não “tirar a máscara”? De que maneira pode buscar ajuda para superá-los?
- Há algo de oculto ou vergonhoso que ninguém pode saber? Há algum amigo ou mentor com quem pode se abrir e buscar direcionamento?
- Pense em como tal situação afeta sua comunhão com Deus. Ao fazê-lo, reflita: Como posso me esconder do Senhor se ele sonda e conhece o meu interior? Sendo assim, quais passos poderia
- dar em direção a uma completa restauração em sua vida?
- De que maneira você poderia se consagrar hoje a Deus, sabendo que o Pai Eterno o conhece mesmo usando máscaras e que sempre o amará e nunca o deixará?
Luiz Pedro Alves da Silva Neto